terça-feira, julho 01, 2014

CRÔNICA DO DIA "Neste país os que atiram a primeira pedra, em geral, tem teto de vidro" por Professor Flávio Bueno

CRÔNICA DO DIA

"Neste país os que atiram a primeira pedra, em geral, tem teto de vidro"
por Professor Flávio Bueno

Não poderia começar este texto enfatizando uma palavra diferente do que: TRISTEZA.

É... Assim caminha a humanidade... Com passos de formiga...

Se com todos os aparatos legais a nossa justiça e nossa democracia são tão falhas, imagina quando nós distorcemos tais conceitos e achamos que somos capazes de julgar? Em geral agimos como verdadeiros inquisidores e acabamos por viver uma verdadeira caça às bruxas. Todavia, alguém já parou pra extirpar o ser maligno que abriga confortavelmente no cerne de sua consciência moral? E se o caçado fosse você? E se em nome da justiça alguém cometesse com um dos teus o oposto, a injustiça? E eu estou falando é para VOCÊ mesmo que se acha acima do bem e do mal... Que acha que é capaz de julgar e decidir sobre o que é certo ou errado na vida das pessoas. Que acha que é juiz... A nova SHEHERAZADE... capaz de pedir em cadeia nacional que você faça justiça com as próprias mãos. É cara pálida, o destino trai a língua, uma pena para quem age como algoz. Em geral, a resposta para seus argumentos falhos são os fatos. O que dizer de espancadores justiceiros com passagens na polícia? O que falar sobre a senhora confundida com uma assassina no interior de São Paulo, sumariamente espancada até a morte? Você não percebeu que o programado é você... o #peba aqui tem nome, e não enxerga um palmo diante do nariz. E, parafraseando Madiba, só posso lhe dizer que a violência de uma sociedade só pode fazer uma coisa: gerar a contra-violência.

A barbárie continua e os equívocos são cada vez mais latentes e constantes. O próprio conceito de liberdade se torna perigoso e o nosso papel na comunidade totalmente deturpado. Cobramos segurança do Estado, mas somos incapazes de ter sensibilidade suficiente pra lidar com os problemas de nossa sociedade, da qual inclusive muitas vezes somos protagonistas. Ou preciso lembrar-lhes das infrações e pequenas corrupções que cometemos todos os dias? Serás capaz de suportar a chuva de pedras em seu telhado de vidro?

Sempre lembro em sala um trecho de uma música da banda Natiruts:

"Lembra da criança no sinal pedindo esmola, não é problema meu fecho o vidro e vou embora".

Agimos assim e simplificamos, de forma perigosa, os problemas deste país. Entretanto, este passa a ser um problema seu, quando esta criança, sem ter o que comer, encosta no vidro do seu carro um 38, no desespero que só sabe aquele que um dia não teve o mínimo necessário para sobrevivência. O que vale mesmo é a nossa visão insensível e distante dos verdadeiros problemas de nossa sociedade... Afinal de contas, só vira bandido quem quer? Não é assim...? Vivemos em uma sociedade justa e igualitária, onde todos têm as mesmas oportunidades, certo? Geralmente, os autores das “célebres” afirmações não pisam em uma comunidade carente nem para fazer doação de natal e pagar de bom moço. Ainda afirmam no alto de sua sabedoria de cabaré de música sertaneja, frases feitas de um reacionário qualquer e após alguns combos de Absolut com red bull:

“- Marginal tem que morrer, isso foi falta de surra, tem que linchar, se a polícia não deu um jeito, nós daremos. Ah se eu tivesse uma arma ou uma oportunidade.”

Alguns destes ainda tem coragem de se auto intitular cristãos. Não sei se tenho pena ou raiva. E afirmo que não sou um defensor da criminalidade e do bandido, ao contrário, só acredito que precisamos fazer uma análise mais refinada das questões e deixar que os crimes sejam julgados por quem tem competência para isso. Estas são afirmações tão equivocadas que merecem ser desconsideradas, pois são frutos de uma ignorância que transcende o limite do bom senso e da paciência. E observe que o inábil que teve o mínimo de oportunidades para ter informação é o pior deles, pois, acreditam que suas falácias devam ser incorporadas como verdade em nossa sociedade. Eles acreditam piamente nisso e não buscam instruir-se, estudar, para modificar este discurso vil e hipócrita.
Não vejo, por exemplo, esta mesma severidade em casos tão mais chocantes. Olhe só ilustríssimo senhor ex-governador do DF, agora candidato ao mesmo cargo (oficializada pela junção daquilo que de mais sujo e quadrilheiro nós temos em nossa cidade a mais de três décadas). Nunca vi ninguém pregando ele no poste, surrando, destruindo seu carro ou sua mansão no Lago Sul (afinal de contas existem vídeos com o tal senhor recebendo propina - https://www.youtube.com/watch?v=LGwDZntUX5A), aliás, ao contrário, quem o defende ainda é capaz de afirmar, sem um pingo de vergonha, que o tal “rouba, mas faz!!!”, como se isso fosse o apropriado e virtuoso e como se o dano causado por tais seres à sociedade não fossem dignos de revolta...

Não é preciso aqui dizer sobre os filhos de juiz que queimaram o Índio Galdino e que hoje prestam concurso para assumir cargos como o de Policial Civil como se fosse uma coisa supernormal e os mesmos convivem na sociedade como se nada tivessem feito; verdadeiros “fichas limpa” (contra eles ninguém se revolta - https://www.youtube.com/watch?v=KooLKiWFeEM)... Ou de tantos outros casos em que eu não vi a mobilização moral e justiceira que se apresenta hoje, a não ser que seja interessante e lhe traga algum benefício. Há os que defendam a utilização de armas por parte dos civis, com o pseudo argumento de que esta servirá para autoproteção. Então eu pergunto. Você recebeu treinamento militar para usar tal arma? Nos países onde o comércio de armas é liberada, você por acaso sabe os índices de violência pública, e se eles diminuíram com as vendas??? Você já levou em consideração os noticiários de barbaridades e crimes em série ocorridos nestes países? Claro que não... Você prefere ser Papagaio de Pirata e ficar repetindo baboseira de uma turba que não tem o menor compromisso com o país. Defender o uso de armas de fogo é na verdade admitir a instalação da pena de morte, em que o cidadão comum se transforma em polícia, juiz e executor da sentença, sem direito a apelação, mas não se esqueçam um dia você julga, noutro o julgado é você, e só pra elucidar... 40% dos 600 mil mortos por armas de fogo nas últimas duas décadas são jovens entre 15 e 24 anos, e mais de 80% deles são jovens negros e pardos, das periferias e favelas dos grandes centros urbanos e cidades médias. Ops esqueço que quem geralmente defende o uso indiscriminado de tais artefatos estão morando em seus condomínios cercados por cercas elétricas ou deseja estar lá e não sofrem verdadeiramente com a violência urbana e querem manter-se distantes das classes menos favorecidas deste país. Este é o mesmo que acha um absurdo pobre viajar de avião e ir ao teatro, se for negro então. Sempre me esqueço.

O que aconteceu com este professor negro, infelizmente, não é incomum e não é o único tipo de violência que recebemos diariamente, ao contrário, junto à violência física normalmente temos a mais severa que é a moral, e desta não estamos livres. Aliás, em geral quando os argumentos são falhos, o “detento ideológico” tenta ofender a sua moral, muitas vezes de forma equivocada, vide o caso do tal Breno Garcia que achou que me ofenderia com o pseudônimo de “Professorzinho de Geografia” e o mesmo disse que meus estudos não servem para nada e que o importante mesmo é fazer Ciências da Computação (como se no elevado de sua vida desprovida de utilidade ele não tenha passado por professores, inclusive no curso referido, da qual tenho muito respeito como a qualquer outra profissão), este sim é estudo de verdade (quem vê parece que estudou em Harvard ou Oxford #sqn, ele não merece nenhum tipo de comparativo no que se refere a currículo acadêmico, seria covardia de minha parte) ... Isso na verdade é um baita motivo de orgulho e satisfação, fiz o curso que queria, escolhi a profissão que desejei e me considero bem-sucedido para caramba no que faço, e aprendi que os valores mais importantes de uma vida não estão centrados nos rendimentos. Tive boa educação ética e moral e me parece que isso anda cada vez mais raro. Contudo, percebemos com este tipo de declaração o quanto a sociedade “valoriza” a mais nobre das profissões. Por tais motivos esse caso do professor de História, negro, espancado gratuitamente, me cause tamanha tristeza e angústia.

Quiçá nos falte educação. E não digo a que temos na escola, pois esta tem outro perfil e acaba assumindo uma responsabilidade que não deveria ser só dela (e quando faz o correto, muitas vezes é julgada como improcedente por pais ou até mesmo pela instituição)... e sim uma educação moral e ética, de princípios voltados para o respeito ao próximo, uma educação que respeite a liberdade e não a confunda com libertinagem, elementos que ficam cada vez mais distantes, pois o foco incrustado  em nosso povo é o da individualidade e da competição acima de qualquer princípio. Vale o que eu tenho e não o que eu sou. Será que estamos percorrendo um caminho inverso ao da evolução? O que nos faz remontar à famosa Lei de Talião:

"Se uma pessoa arrombar uma casa alheia, deverá ser condenado à morte e ser enterrado na parte da frente do local do arrombamento". "Se alguém acusa o outro, mas não pode prová-lo, o acusador será morto"

Ou ao Velho Testamento:

Êxodo 21:24: "Olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé."

Sinceramente, temos mecanismos o suficiente para evitar tais prerrogativas de vingança. Afinal, temos uma organização social muito mais complexa do que de outrora.

O que nos resta então? Apelar para a Carta Magna...

Nossa Constituição é clara quando em seu Art. 5º assevera:

"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”

Como diria Malcolm X,

"Esse governo falhou com o Negro. Esta chamada democracia falhou com o Negro."

Talvez, se o professor que tivesse fazendo a sua corridinha básica fosse branco, nem acusado ele seria. Muito menos seria levado a uma DP e obrigado a provar com toda aula sobre Revolução Francesa (que tinha como lema os princípios: Igualdade, Fraternidade e Liberdade) que não era o bandido referido. Ele não teria que utilizar-se de seu conhecimento acadêmico para provar que estava falando a verdade. Mais sabemos que em nosso país a lei vale para poucos. Os poucos que tem “capilé” o suficiente para pagar um Habeas Corpus de meio milhão, mesmo com o desvio de verba de um tribunal ou uma ponte de 170 milhões.  Neste sentido, vale mais uma vez lembrar o mais importante de todos os artigos que ainda revela no inciso LVII um elemento esquecido por grande parte de nossa sociedade:

“(...) ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (...)”

De repente, é este o momento para retornarmos à nossa Constituição e aprender princípios básicos de harmonia e convivência. Apelo para que possamos fortalecer nossas instituições e respeitemos minimamente as nossas leis. Caso não concorde você tem duas opções: lutar dentro dos princípios legais por uma mudança; ou mudar para um lugar onde tais ideias sejam aceitos. Nunca propagar e incentivar a injustiça e a violência. Temo pelos caminhos em que somos “instruídos” a seguir...Temo pelo sentido de “justiça” pregada por quem tem teto de vidro.

A onda de fazer justiça com as próprias mãos por pouco não vitimou mais um inocente.

Ao Professor André Rodrigues... Todo meu apoio e o pensamento:

"Não se pode separar paz de liberdade porque ninguém consegue estar em paz a menos que tenha sua liberdade." Malcolm X